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A Relação entre a SA 8000 e AA1000 com o Marco Referencial da Ética dos Negócios: um entendimento necessário

Claudemir Y. Oribe - Mestre em Administração e Sócio-Consultor da Qualypro - claudemir@qualypro.com.br

01/05/2012

1. INTRODUÇÃO
O debate da ética, da responsabilidade social e da sustentabilidade corporativa ganharam os palcos do mundo empresarial e da sociedade civil recentemente. Trata-se de um movimento que vem de encontro aos diversos anseios da sociedade enquanto que, por outro lado, organizações se viram diante de prejuízos incalculáveis de imagem e perda de reputação devido a reações inadequadas aos desastres ambientais e sociais que elas próprias criaram.

A existência dos vários stakeholders esquenta o debate, pois o multilateralismo e o respeito aos diversos pontos de vista são aspectos inerentes ao próprio tema. Diante desta realidade, seria surpreendente se os enfoques e marcos referenciais convergissem. Pois a variável que justifica a  existência da responsabilidade social, e mesmo da ética, é justamente a diferença.

Vista apenas como responsabilidade social, a dimensão ética das empresas se reduz ao cumprimento de suas obrigações diante das partes interessadas e com impacto direto, sem colocar o homem em seu lugar devido como princípio, meio e fim que lhe cabe no ambiente. A ética assim definida reduziria seu conteúdo a uma “mera variável do processo administrativo”. Por outro lado, a tendência de valorizar a dimensão ética à luz demasiada humanista, reduz seu conceito de forma diametralmente oposta caracterizando todo o processo como discurso vazio, isento de ação e dificultando o entendimento por todas as partes envolvidas. Um outro tipo de reducionismo identificado por Pena (2005) é a possibilidade de incluir a ética como mais uma variável do processo de gestão, inserindo sua perspectiva em restritas práticas e indicadores empresariais, perdendo a verdadeira dimensão e limitando sua aplicação aos propósitos utilitaristas das organizações ou, na melhor das hipóteses, aos atores sociais mais próximos ou mais relevantes.

A construção de um referencial que dê sustentação teórica necessária à transformação do tema em disciplina acadêmica deveria portanto considerar a existência e a importância dos referenciais éticos, conciliando as perspectivas envolvidas, servindo para reunir os conceitos e ações que já permeiam o meio empresarial e social. Mas, como as certificações de sistemas de gestão de responsabilidade social e outros documentos de referência se inserem ou se relacionam com os referenciais teóricos da ética do modelo proposto por Lozano? Este artigo pretende contribuir com a análise, formulando algumas possibilidades de respostas.

2. O MODELO DA ÉTICA DOS NEGÓCIOS
O ensino da Ética em faculdades de Administração tomou impulso nas décadas de 60 e 70, principalmente nos Estados Unidos, o campo da filosofia prosperou. Ao complementar sua formação com a vivência empresarial, aplicando conceitos de ética à realidade dos negócios, surgiu uma nova dimensão: a Ética Empresarial ou Business Ethics - BE. A definição do conceito de ética empresarial é tema bastante controverso. Pena (2005) cita vários conceitos justificando os motivos pelos quais elas não seriam adequadas para definir o que é ética dos negócios: (1) para Enderle (1997) a ética dos negócios “inclui questões nos níveis individual, organizacional e sistêmico da tomada de decisões e ações nos negócios e na vida econômica” o que pareceria demasiado genérica e prejudica sua articulação, aplicação e mesmo entendimento; (2) para Arruda (1997) a ética dos negócios, ao menos na América Latina, “pode ser resumida em duas palavras-chave: integridade e responsabilidade social”, o que além de não definir bem o termo, tende a personalizar os problemas éticos; (3) Aláes (2001) sustenta que “deveremos mudar o sentido da frase ética ‘da’ empresa pelo da ética ‘das’ pessoas da empresa”, o que incorreria na mesma tendência a atribuir unicamente a responsabilidade aos indivíduos e não ao grupo ao qual pertencem, além de eliminar a ética empresarial como disciplina de estudo; (4) Tieney (1998) “faz recomendações para criar um entorno ético de trabalho, aborda os dilemas éticos, casos práticos, mas não define a ética empresarial”; (5) Ferrell et al (2001) definem a ética como um conjunto de princípios direcionados à geração de valores econômicos, equilibrando desejos, “para não prejudicar nem indivíduos nem a sociedade como um todo”, o que para Pena são conceitos “ingenuamente dedutivos”; (6) Moreira (2002) define o comportamento da empresa de forma abstrata “quando age em conformidade com os princípios morais e as regras da boa convivência aceitas pela coletividade” sem esclarecer o que seriam essas regras; (7) finalmente Leisinger e Schmidt também inserem a pessoa como objetivo final sem distinguir a ética humana da ética empresarial.

Tais definições são tentativas francas de criar um consenso e estabelecer referenciais comuns num campo de estudo recente, mas como efeito não desejado contribuem com a confusão intelectual que cerca o tema. Cortina apud Pena (2005) concorda com isso afirmando que “não há nenhuma ética aceita por todos e os diferentes âmbitos de aplicação apresentam peculiaridades intermináveis”.

Tal situação de vácuo conceitual corrobora com a tese de que uma definição de ética empresarial tenha que efetivamente ser construída, porém sem abrir mão dos preceitos e contribuições que cada autor, nem dos aspectos dedutivos ou indutivos relevantes que formam o arcabouço conceitual. A citar os autores, conceitos e definições, Pena (2005) desnuda a lacuna existente para a conceituação do marco de referência da ética empresarial e articula uma fundamentação para construir sua argumentação, citando:

Na nossa concepção, a ética empresarial ou Business Ethics como a chamamos, é uma disciplina acadêmica, de natureza trans-disciplinar, que tem, ao mesmo tempo, premissas da ética e premissas do campo dos negócios, compreendido em uma unidade organizacional. Trata-se pois, de uma ética aplicada, de uma formulação filosófica sistematizada coerentemente sobre um campo específico ‘que permita orientar, de maneira eticamente justificada, experiências e processos que a façam viável como ética empresarial’ (LOZANO, 1999:18).

No entanto, a construção da ética empresarial não pode ser o resultado de um processo dedutivo da ética, nem da gestão, mas de um processo construtivista a partir dos dois elementos, sem o qual o resultado final sofreria o que Pena (2005) chama de reducionismo. No primeiro caso, tal aplicação não é simples pois a teoria ética, que inclui a ética deontológica, teleológica e da virtude aristotélica, possui pontos de interseção, que impedem não só a correta compreensão dos atos das pessoas como também possibilita a justificativa de atos questionáveis, segundo o ponto de vista ético empregado. No segundo caso, o reducionismo como conseqüência da aplicação das teorias de gestão sobre a ética empresarial, é muito mais claro, pois submete os princípios desta à esfera econômica, onde o dinheiro é o principal mecanismo de auto-regulação.

Para construção de um marco referencial teórico da ética empresarial, Pena (2005) defende o modelo proposto por Lozano, que consiste na inter-relação de diferentes referenciais teóricos, buscando um ponto de interseção comum que dê sustentação à ética dos negócios, sem abrir mão das particularidades de cada contribuição disciplinar. O modelo é formado pela ética da responsabilidade, a ética afirmativa do princípio de humanidade e a ética geradora de moral convencional.

O primeiro dos vértices se constitui da ética da responsabilidade, que trata do relacionamento empresarial com as diversas partes interessadas. Conforme afirma Lozano apud Pena (2005) há uma tendência para se considerar os stakeholders1 como interesses, sem considerá-los interlocutores na formulação de estratégias e diretrizes sob os quais estarão submetidos ou impactados. Isso seria evitado se eles fossem trazidos para a esfera de decisão, e não simplesmente considerados de forma abstrata.
 
Dois tipos de tipologia estão associados aos stakeholders: a classificação de Frederick et al. (1988) diferenciando os primários e os secundários; e a classificação de Mitrof (1983) e Cavanagh e McGovern (1988) que os diferencia entre internos e externos. Os primários são aqueles de quem a organização necessita para cumprir sua missão empresarial e de quem deles dependem para obter os recursos que lhes é fundamental para sua operação. Se enquadram nessa categoria os acionistas, empregados, fornecedores e governo. Os stakeholders secundários, são aqueles que sofrem os impactos das ações da organização, não tendo relação direta em seu funcionamento. Nessa categoria estariam as comunidades vizinhas, fornecedores indiretos e a sociedade de maneira geral.

Na segunda classificação, internos e externos, estariam nos internos aqueles que se colocam dentro do domínio da organização, como empregados, acionistas e corpo gerencial. Os externos, por outro lado, seriam aqueles fora do domínio organizacional, incluindo portanto os clientes, fornecedores, governo, comunidade e meio ambiente. Vale lembrar que os exemplos aqui citados estão longe de esgotar a lista das partes interessadas que afetam ou são afetadas pelas atividades empresariais. A figura 1 mostra um modelo de representação da empresa e suas partes interessadas.



Figura 1 - A empresa e suas partes interessadas (Fonte: Oficinas de Gestão - Conferência Internacional 2005 - Empresas e Responsabilidade Social; Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social)

Segundo a ética da responsabilidade, a missão da organização seria a de identificar os todos stakeholders internos e externos, primários e secundários, estabelecer uma relação, identificar seus interesses e considerá-los na formulação de estratégias e políticas organizacionais. O desafio seria de conciliar esses interesses e identificar as prioridades diante das restrições de toda ordem, normais num contexto empresarial. Segundo Pena, o processo de diálogo com as partes interessadas deve anteceder as ações que geram os impactos desejados ou não, estabelecendo um papel organizacional proativo. Boechat (2003) menciona o Modelo de Gestão Responsável afirmando ser “aquela que equilibra as respostas às demandas de todas as organizações e pessoas que com ela se relacionam”. Este modelo envolve também o conceito de Sustentabilidade, que significa equilibrar as ações de forma a fornecer respostas adequadas para o mercado, para a sociedade e para o planeta.  Trata-se de diferentes pontos de vista que reforçam a mesma questão da ética da responsabilidade.

A ética da responsabilidade tem, conforme afirma Pena (2005), um caráter teleológico e consequencialista pois a partir de um princípio utilitarista procura obter o bem estar e vantagem para o maior número de pessoas.

O segundo pólo do modelo proposto por Lozano é a ética da humanidade, princípio sobre o qual se baseia o papel do homem no mundo e sua predominância sobre os demais serem do planeta. A ética da humanidade se fundamenta num princípio filosófico ao atribuir ao homem a capacidade de decidir sobre seu destino, o livre arbítrio, e construir sua existência. Ao manifestar formalmente suas crenças e valores, as organizações podem estabelecer vínculos mais amplos às suas atitudes, se utilizando de uma linha indutiva e inserindo a consciência no processo decisório. Também os códigos de ética servem a esse propósito ao tentar controlar o comportamento, por meio da auto-regulação em aspectos positivos ou negativos. Segundo Pena (2005), há uma tendência a se adotar orientações negativas, ao mencionar condutas que seriam prejudiciais ao funcionamento da empresa. Tal prática parece ser inadequada devido ao fato de não ser possível elencar todas as condutas humanas condenáveis num determinado ambiente. Devido a isso Lozano apud Pena (2005) sugere uma ética afirmativa, pois além de regular os comportamentos pré-convencionais (interesses e autoridade), afirma as exigências convencionais (papéis) e também desenvolve a capacidade pós-convencional (discurso) na vida das organizações.

O risco da ética da humanidade reside na possibilidade dela se transformar em elementos não manifestos da gestão, impedindo que se torne conhecida e limitando portanto sua capacidade de repercussão e influência nas práticas organizacionais. A definição dos valores, critérios e finalidades na tomada de decisões seria o gesto manifesto das reais intenções e o pano de fundo para sua atuação na sociedade. Como ponto de partida, Pena (2005) sugere a adoção de uma prática esotérica, iniciando pelos atores sociais internos para então expandir sua relação com os externos. Essa sugestão coincide com as orientações apresentadas na Oficina de Gestão 2 – Primeiros Passos em Responsabilidade Social Empresarial com Estímulo a Parcerias, ocorrida na Conferência Internacional promovida pelo Instituto Ethos em 2005, para quem “ao produzir seu código de postura ética, a empresa pode inicialmente envolver apenas os empregados e depois evoluir em ciclos periódicos para incorporar outras partes interessadas”.

Finalmente, o terceiro elemento do referencial ético proposto por Lozano se fundamenta no comportamento do indivíduo, na cultura da empresa, acrescentando a virtude aristotélica (héxis) ao modelo. Os valores pessoais são utilizados como elementos balizadores das ações humanas inserindo a práxis à fundamentação dos costumes para a criação de hábitos. Isso se justifica para evitar a separação das ações de uma finalidade humana que, segundo Lozano, não poderia ser considerada como elementos inseridos um dentro do outro como círculos concêntricos, mas sim por meio da compreensão do ethos. A cultura organizacional é a porta de entrada da ética de Aristóteles na ética empresarial por meio da formulação de seus valores para a criação do hábito. Conforme cita Pena (2005), na “formação do ethos corporativo, a pessoa e a cultura organizacional são os elementos fundamentais, que se materializam pela práxis”.

Não adianta pois, a ética empresarial se resumir em boas intenções, valores nobres e crenças profundas se esse conjunto ético não puder ser encontrado na prática. E não apenas nos indivíduos, mas nos indivíduos inseridos em seus papéis dentro dos grupos sociais aos quais pertencem. Conforme afirma Pena (2005) “a proposição de que pessoas justas fazem da organização uma organização justa não é verdadeira”. Logo a organização deve mobilizar recursos e promover o comportamento ético para criar um ciclo virtuoso de geração de ethos, práxis, hexis e ethos. Esse movimento tem como resultado a virtude e o caráter da pessoa.

A ética geradora da moral convencional, que forma o terceiro vértice do marco de referência da ética empresarial proposto por Lozano se constitui na existência de virtude, que se traduz em ação individual sobretudo da Gerência no contexto da organização.

O modelo referencial proposto por Lozano, se constitui pela interseção dos três vértices, a ética da responsabilidade, a ética afirmativa da humanidade e a ética geradora de moral convencional, aliando a responsabilidade com os stakeholders, os princípios humanos que permeiam a ética e a criação do hábito da moral pela valorização do indivíduo. A abordagem da ética empresarial evita a tendência de apenas ampliar o conceito de responsabilidade. Pena (2005) é categórico quanto à discussão ao afirmar que “sem a integração destes três elementos, não se pode falar em ética organizacional”.

Segundo Ashley apud Pena (2005) a ampliação do conceito de responsabilidade social desfigura ela mesma, confundindo conceitos e partes interessadas que podem ser desde apenas acionistas (Friedman apud Pena, 2005) até “a visão mais radical de sociedade sustentável” que inclui todos os stakeholders atuais e gerações futuras. Tentativa de ampliar o conceito de responsabilidade social foi feito por Frederick ao incorporar o conceito de Wood apud Pena (2005) e criar quatro níveis de responsabilidade, CSR1, CSR2, CSR3 e CSR4, partindo da responsabilidade, se estendendo a responsividade, retidão social corporativa e chegando ao cosmos, ciência e religião. Para Pena (2005) “ampliar o conceito de responsabilidade social para que haja maior alcance ético de suas prerrogativas parece desnecessário quando se dispõe de um modelo teórico que pode abarcar tal exigência de ampliação”.  A figura 2 a seguir apresenta uma representação do modelo de Lozano.



Figura 2 - O marco ético referencial do BE (ética empresarial)


3.  REFERENCIAIS EXTERNOS PARA SISTEMAS DE GESTÃO
Desde meados do século passado as forças armadas americanas e européias eram grandes demandadoras de bens e perceberam que a verificação dos produtos e serviços no momento do recebimento não era suficiente para garantir a qualidade desejada. Muitas das características desses produtos e serviços só seriam observáveis após um longo período de uso ou acondicionamento. A manutenção dessas características é conseqüência do conjunto de critérios, regras, procedimentos, medições, controles e outros aspectos adotados no momento do desenvolvimento e produção. Assim, elas criaram regras para a adoção pelos seus fornecedores que complementavam as especificações dos produtos. As regras eram formadas por um conjunto abrangente e sistêmico de requisitos e teriam que ser cumpridos pelos fornecedores durante todas as etapas do ciclo de vida do produto. Para se adaptar a qualquer situação, as regras eram genéricas para que cada fornecedor pudesse interpretar de sua forma e implementar adequadamente para aumentar a confiança no fornecimento em longo prazo.

A própria sociedade civil organizada utilizou os mecanismos multilaterais ou fóruns existentes para criar requisitos de referência de uso geral, evitando que as organizações utilizassem um entendimento próprio, portanto disforme e fragmentado, acerca do que seria adequado para a parte envolvida. Foram criadas normas, especificações e outros documentos de referência para requisitos da qualidade, de meio ambiente, saúde e segurança e, mais recentemente, responsabilidade social objetivando o cumprimento de forma voluntária ou por meio de coerção.

Estava nascendo os requisitos de sistema de gestão da qualidade. A abordagem de constituição de sistemas de gestão implica na formalização, adoção e comprovação de práticas de cunho tático e operacional e a geração de resultados adequados envolvendo determinado tema e que tenha impacto em alguma parte interessada (stakeholder). Os documentos de referência da qualidade são orientados ao cliente e ao usuário do produto. Os de meio ambiente são destinados a impedir impactos negativos à sociedade em geral, sobretudo às comunidades próximas à instalação da empresa. Documentos de referência de saúde e segurança defendem os interesses das pessoas que estão sujeitas a riscos, visando a prevenção de acidentes e doenças ocupacionais.

Finalmente, os requisitos relacionados à responsabilidade social, contém regras genéricas envolvendo a ética e a relação com as partes envolvidas identificadas pela organização e que podem ser impactadas pelo seu funcionamento, incluindo aí aquelas anteriormente citadas.

Como os resultados são perceptíveis apenas após a operação normal dos processos e nem sempre há isenção da organização para relatar seus resultados, um processo de avaliação imparcial necessita ser feito para informar às partes interessadas que o sistema de gestão está implementado de forma adequada e produz os resultados esperados. Este mecanismo de avaliação é denominado de certificação e consiste numa análise documental e das práticas in loco.

As vantagens da adoção sistemática de documentos de referência universalmente aceitos são vários, podendo ser citados a cooperação, uniformidade, entendimento mútuo, institucionalização, consenso, concentração de esforços, recursos e desenvolvimento contínuo. Como desvantagens, podemos citar as tendências à formalização, ao reducionismo operacional e ao mimetismo normativo e profissional (Oribe, 2005), além de dificuldades de avaliação das reais intenções por parte dos dirigentes. Tais aspectos negativos não impediram que mais de meio milhão de organizações do mundo inteiro adotassem as certificações de seus sistemas de gestão, podendo demonstrar às partes interessadas seu compromisso e interesse em atender suas expectativas e melhorar seus resultados continuamente.


3.1 Conceitos e Princípios de fundamentação dos Sistemas de Gestão
Segundo Boechat (2003) o gerenciamento sistêmico obedece a princípios que se repetem nas diversas concepções produzidas por organizações normativas e acadêmicas.  O autor elenca aqueles que seriam os princípios mais fundamentais encontrados nos documentos de referência dos sistemas de gestão:



Tabela 1 - Princípios comuns dos sistemas de Gestão (adaptado de Boechat, 2003)


3.2 – Elementos Típicos de Sistemas de Gestão
Ainda segundo Boechat (2003), para atender aos princípios dos sistemas de gestão, as normas estabelecem alguns elementos comuns e se apresentam de forma típica.  Na Tabela 2 abaixo, são apresentados os principais deles.



Tabela 2 - Requisitos normativos comuns (adaptado de Boechat, 2003)

De maneira geral como afirma Oribe (2005)2, ao analisarmos a norma ISO 9001 [e outras normas de sistemas de gestão] podemos concluir que ela traz conceitos e métodos definidos predominantemente na teoria neoclássica e estruturalista da administração. Temas como autoridade e responsabilidade, divisão do trabalho, formalização, separação do planejamento da execução, o estabelecimento de metas e controles, a ênfase nos objetivos e resultados, o conceito de eficiência e eficácia, moldam as organizações dentro de uma perspectiva mecanicista.

3.3 – A SA 8000
A SA 8000 (www.sa8000.com) é um documento criado para ser utilizado como parâmetro de referência para a constituição de sistemas de gestão de responsabilidade social. A SA 8000 (SA significa Social Accountability) foi desenvolvida pela CEPAA (Council on Economic Priorities Accreditation Agency), hoje conhecida como SAI (Social Accountability International) e 25 outras organizações, tais como Anistia Internacional, Human Rights Watch, Avon, Toys R Us, The Body Shop, Reebok, KPMG, SGS, Fundação ABRINQ entre outras.

O CEPAA foi criado por iniciativa do CEP (Council on Economic Priorities), uma organização pública fundada em 1969 por representantes de empresas, ONGs e sindicatos americanos e é baseada em.

- Declaração Universal dos Direitos Humanos
- Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança
- Convenção das Nações Unidas para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres
- 12 Convenções Organização Internacional do Trabalho (OIT)

A SA 8000 foi publicada em 1997 e é um documento de referência certificável (Zacharias, 2004, p. 70), isto é, as organizações que a adotarem poderão solicitar uma auditoria por um organismo de certificação credenciado pela SAI, o qual emite um documento isento, atestando a conformidade da organização com seus requisitos. Sua elaboração foi iniciada por ocasião do 50º Aniversário da Declaração dos Direitos Humanos da ONU. O documento segue o formato e a estrutura das normas internacionais ISO 9000 e 14000, facilitando sua integração com esses sistemas, que já são amplamente utilizados por organizações do mundo todo.

A preocupação das organizações que ajudaram a criar a SA 8000 foi sobretudo de coibir a prática de trabalho infantil e escravo e outras práticas de contratação de empregados que sejam consideradas abusivas. Trata-se de uma abordagem bastante reducionista, que restringe a ação da responsabilidade social sobre apenas um pequeno grupo de partes interessadas, empregados próprios e de fornecedores e terceiros. Apesar deste grupo ser relevante nem sempre todos são afetados por todas as organizações. Isso pode levar a uma implementação limitada, onde a organização será provavelmente a maior beneficiada, devido à repercussão externa.

A SA 8000 estabelece requisitos para nove situações:

- Trabalho Infantil (fixação de idade mínima)
- Trabalho Forçado
- Saúde Ocupacional e Segurança
- Liberdade de Associação e Direito à Negociação Coletiva
- Discriminação
- Práticas Disciplinares
- Horário de Trabalho
- Remuneração
- Sistemas de Gestão

Seus requisitos são do tipo afirmativo e negativo procurando evitar condutas prejudiciais para a empresa.

Para que a organização seja considerada em conformidade com a SA 8000, ela deve comprovar que respeita suas exigências e as 12 convenções da OIT3 nela referenciadas. Como nas auditorias de sistemas de gestão da qualidade e meio ambiente, a auditoria da SA 8000 é feita com base em amostras de evidências colhidas por auditores independentes num período agendado previamente. O que a organização faz, deixa de fazer, omite ou esconde entre os momentos da auditoria, pode passar despercebido pelos auditores.

Pode-se verificar portanto que o foco da SA 8000 está sobre o público interno, empregados, sub-contratados e também cidadãos trabalhadores. Seu conteúdo possui uma inspiração na ética normo-deontológica e baseada no modelo de ética moral de Kant. O que é considerado certo o será independente do resultado obtido, local ou costume do povo onde o ato é praticado. O cumprimento de seus requisitos é imperativo para a organização que deseja obter o reconhecimento como estando “em conformidade” com o documento.

No contexto interno sobre o qual é focada, pode-se dizer que a SA 8000 é monológica, pois não se discute se as partes envolvidas estão ou não de acordo com seus requisitos. Aliás, se isso for feito, é possível que muitos dos filhos de oleiros da cidade de Abaetetuba no Pará, a título de ganhar algum dinheiro, desejem de fato trabalhar com os pais ao invés de ficar apenas observando a maromba espremer argila para fabricar tijolos.

Na classificação de Schommer apud Pena (2005, p. 23) a SA 8000 seria classificada como ação de responsabilidade social, uma vez que atua sobre um grupo restrito de stakeholders, no caso empregados e provedores. A SA 8000 contribui para o cumprimento da condição esotérica pois, mais do que promover ações pontuais de filantropia, ela garante uma atuação ética mesmo que restrita, a um grupo interno e importante de stakeholders. Isso não é um problema, apenas uma limitação consciente. Pena (p. 47) afirma que “o exemplo ético dos diretores e a atenção aos direitos dos empregados são o piso a partir do qual se pode pensar a estratégia empresarial sob uma perspectiva ética. A ética começa dentro de casa.”

3.4 – A AA1000
A AA1000 (http://www.accountability.org.uk) é a primeira norma mundial elaborada para a responsabilidade corporativa com foco na contabilidade, auditoria e relato social e ético. O documento foi elaborado pelo ISEA – Institute of Social and Ethical AccontAbility, organização sem fins lucrativos, sediada em Londres e fundada em 1995 que promove o desenvolvimento de ferramentas e normas de accountability. O lançamento da primeira versão foi em 1999. Após uma pesquisa realizada com a sociedade empresarial, pública e civil o ISEA desenvolveu uma nova versão que foi publicada em março de 2003.

A AA1000 foi fundamentada sobre onze princípios de qualidade da gestão, reunidos em quatro grupos: (a) escopo e estrutura do processo da organização, (b) significância da organização, (c) qualidade da informação e (d) gerenciamento do processo em base contínua.

O Escopo e estrutura do processo da organização são compostos da completude que caracteriza o quão completa é a gestão social; a materialidade, que trata do quão significante é a informação prestada; e a regularidade e conveniência, que trata da ação sistemática no tempo certo do processo de accountability4.

A significância da organização é composta pela garantia da qualidade, que para ser satisfeita deve incluir a auditoria de terceira parte, apesar de que nem sempre isso é feito; e a acessibilidade, envolvendo a comunicação apropriada e efetiva das partes interessadas.

A qualidade da informação inclui a comparabilidade, que é o grau em que o relato social é comparável com outras situações, benchmarks e outras referências quaisquer; a confiabilidade, aspecto que mede o grau de ausência de erros e vieses que possam alterar a informação original; a relevância relacionada ao grau de importância da informação no contexto social; e o entendimento, necessário à compreensão da informação que está sendo divulgada.

O gerenciamento do processo em base contínua é composto pela integração, aspecto que se pretende tornar consistente o conjunto da contabilidade, auditoria e relato para que seja um só produto do esforço social; e a melhoria contínua, que é necessária para provocar um movimento para a busca de resultados de indicadores cada vez melhores nos contornos analisados da gestão social.

Todos esses requisitos são relacionados ao processo aceitável de um relato social que pretende tornar público às partes interessadas as reais ações e resultados das organizações acerca de seu comprometimento social. Segundo Pena (p. 42):

A perspectiva da responsabilidade da empresa articula-se com a análise dos stakeholders por quê é com relação à eles que são exercidas as responsabilidades. A análise dos stakeholders é o procedimento prático para demarcar a dimensão consequencialista da business ethics, baseada em uma ética de responsabilidade.

É possível verificar pelo princípio da completude, que a implementação da AA1000 por uma organização se encaixa perfeitamente como um elemento concreto da ética da responsabilidade, pois o que se deseja é o maior bem possível a um número completo de partes interessadas.

4 - ANÁLISE DO MARCO REFERENCIAL E AS NORMAS DE RESPONSABILIDADE SOCIAL
4.1 - Análise sob a ótica da ética da responsabilidade
A SA 8000 estabelece a necessidade de diálogo com os stakeholders formados pelos empregados próprios e de terceiros, que pertencem ao grupo de que Frederick et al. apud Pena (2005) chama de primários. Na classificação de Mitrof, Cavanagh e McGovern apud Pena (2005) eles se enquadram nos internos. Assim as organizações que adotam a SA 8000 demonstram trabalhar de forma eticamente responsável e dentro da condição esotérica, por uma parte limitada e elementar das partes interessadas. No entanto, é importante salientar que uma organização se constitui de uma intrincada relação de poder em que os atores sociais envolvidos não param de crescer. Num contexto de limitados recursos é de se supor que os atores com maior poder possuam mais voz e tenham suas expectativas mais atendidas do que aqueles com pouco poder de expressão. Assim apesar dos inevitáveis reducionismos presentes na ética dos negócios e em sua própria condição de ação gerencial como conseqüência da ciência aplicada, a SA 8000 dá sua contribuição à um grupo pequeno porém freqüentemente sem eco nos seus clamores.

Neste aspecto a AA1000 difere da SA 8000 por conter um princípio de inclusividade e um processo onde a própria organização deve identificar as partes interessadas relativas ao seu negócio. Assim, a AA1000 se aproxima mais da ética da responsabilidade por conferir um grau mais realista sobre os impactos hoje e mesmo no futuro. Tal atribuição denota à AA1000 uma característica mais de norma de sustentabilidade do que norma para obtenção de simples conformidade.

Outro aspecto relevante na AA1000 é sua preocupação com a qualidade, significância e a transparência do diálogo com as partes interessadas. Na SA 8000 estas características são intrínsecas e deixadas por conta da alta direção e avaliadas por meio de análises críticas e auditorias.

Assim, embora cada documento tenha uma finalidade específica, a AA1000 possui uma possibilidade de aplicação mais ampla devido ao fato de ser um documento de diretrizes a não uma norma com fins de certificação.

4.2 - Análise sob a ótica da ética afirmativa do princípio de humanidade
Se a SA 8000 foi elaborada a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e da Convenção das Nações Unidas para Eliminar Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, ela contém de forma intrínseca um conjunto de valores universalmente aceitos que se valem da idéia do imperativo categórico e expressão de uma ética kantiana. Outras características estão presentes pela noção do dever para todos e a determinação da vontade pela razão. O respeito às diferenças, a negação do trabalho forçado e do trabalho infantil e a rejeição a todas as formas de discriminação são manifestações que emanam dos mais profundos valores humanos.

Quanto aos valores do contexto organizacional, a SA 8000 não prescreve sua formulação ou expressão declarada, se restringindo à política de responsabilidade social e o comprometimento da organização com “todos os requisitos desta norma” (Zacharias, 2004, p. 56). O sujeito a quem se pretende ter o comprometimento é oculto, subentendendo toda a organização. Se indivíduos e grupos possuem comportamento ético diferente, essa incerteza sobre quem deva ser comprometido talvez seja uma forma de evitar a falácia da composição identificada por Schelling (1984, apud Pena (2005) que afirma que o fato de que”os integrantes de sua organização tenha um comportamento ético não quer dizer que sua empresa aja deste modo”. A ausência de requisitos que exprimam os valores da organização é uma omissão típica nos documentos de referência dos sistemas de gestão. Isso não impede que as organizações elaborem suas crenças, valores, missão, visão e códigos de ética de forma explícita.

No tocante à questão da afirmação, a SA 8000 contém requisitos afirmativos e negativos. Se os princípios negativos particularizam a abordagem, ela ataca com precisão algumas situações para os quais a norma se concentrou em dar sua contribuição, como por exemplo a idade mínima e o tamanho da jornada de trabalho.

Já na AA1000 a questão ética num sentido mais amplo parece ser mais significante, uma vez que sua característica genérica tende a ter um sentido muito mais abrangente, mesmo embora não citando valores universais de forma explícita. Enquanto que na SA 8000 o pressuposto é a existência de alguns valores universais que precisam ser seguidos, na AA1000 ele é diferente pois ao definir requisitos tão claros de transparência, reconhece o poder dos gestores de manipular e omitir informações para apresentar aquelas que lhes pareçam mais adequadas. Isso provavelmente é um reflexo dos recentes escândalos envolvendo altos dirigentes, além de desastres ambientais e outros eventos que destruíram a sustentabilidade de algumas organizações, sobretudo americanas.
A conclusão da análise é que, embora a adoção da AA1000 tenha como pressuposto um nível de consciência maior, a SA 8000 possui um arcabouço ético humanista consistente além de ser universalmente aceito.

4.3 - Análise sob a ótica da ética geradora de moral convencional
Também no campo da ética geradora de moral convencional, as normas SA 8000 e AA1000 dão sua contribuição. Uma vez que a boa intenção dos indivíduos e o diálogo com os stakeholders não são suficientes para afirmar a ética de uma organização, é necessária a ética da virtude e sua expressão na forma do hábito para a constituição do ethos para que reforce o comportamento individual. Tanto a norma SA 8000 quanto a AA1000 contém alguns requisitos denominados de requisitos de sistema que incluem política, planejamento, análises críticas pela alta direção, nomeação de representantes da empresa, planejamento e implementação, controle de fornecedores, ação corretiva, comunicação externa, acesso para verificação e controle de registros.

Ao requerer tal nível de estruturação e formalidade, a SA 8000 e a AA1000 contribuem para a institucionalização do sistema de gestão de responsabilidade social, para a prática constante por meio do monitoramento de seus resultados e para o compromisso organizacional que são fundamentais para a criação ou modificação da cultura interna. Ao trazer a filosofia ética para um campo mais terreno, s normas de referência dos sistemas de gestão de responsabilidade social tem o mérito de dotar a gestão prática de um conjunto de prescrições de fácil compreensão e assim evitar o niilismo. Além disso, os processos de auditoria externa a que são submetidas as empresas e os compromissos de melhoria contínua atribuem ao sistema um poder normativo ainda que nem sempre moral ou ético.

A AA1000  por sua vez, possui algumas características que fazem dela uma referência mais moral do que normativa (Etzioni apud Pena, 2005), pois o fato de não determinar de forma precisa o que precisa ser feito impõe à organização usuária um nível maior de consciência ética e valores intrínsecos. A norma AA1000 se preocupa basicamente com os critérios para avaliar a qualidade do que está sendo feito e a forma que as práticas estão inseridas no contexto interno da organização.

Se a adoção das prescrições contidas nos documentos de referência dos sistemas de gestão incorre em prática, o mesmo não se pode dizer que a prática incorra numa empresa ou indivíduos mais éticos. Na verdade, qualquer prática pode ter como pano de fundo uma infinidade de intenções que podem ter um cunho consequencialista como deontológico. Assim, o hábito gerado pela rotina imposta das normas pode não ser fruto da manifestação da virtude das pessoas ou do grupo da organização, mas apenas como forma de atender às expectativas do mercado de capitais que tendem a recomendar o investimento em empresas consideradas socialmente responsáveis. Talvez por ser difícil determinar as reais intenções dos atores que influenciam decisões este seja o calcanhar de Aquiles dos documentos de referência como a SA 8000 e a AA1000.

Os mecanismos contidos nesses dois documentos para a criação de uma cultura de responsabilidade social são praticamente os mesmos e decorrentes das experiências com outros sistemas de gestão, notadamente a qualidade com a ISO 9001 e o meio ambiente com a ISO 14.001. Há no entanto uma diferença sutil entre elas: enquanto que a SA 8000 focaliza a ação dos gestores sobre a eficiência interna, a AA1000 se dedica a criar condições para que, por meio de um relato completo, útil e transparente, os próprios stakeholders possam analisar o impacto que a organização e exercer seus direitos com mais facilidade. O foco é portanto externo à organização.

No entanto, a verdadeira virtude não é um elemento auditável ou verificável e portanto não pode ser revelada pela SA 8000, pela AA1000 ou por nenhum documento senão pela praxis permanente ou pelo entendimento da cultura da empresa. Neste ponto, ambos documentos são importantes elementos de contribuição para inserção de valores da responsabilidade social e da ética nas rotinas e operações das empresas. Mas a experiência com os sistemas de gestão da qualidade e meio ambiente tem mostrado que anos de certificação não são suficientes para criar ou manter uma cultura favorável. Esses novos documentos provavelmente não serão exceção a essa regra.

5. CONCLUSÃO
Neste artigo foi feita uma análise entre o conteúdo dos dois principais documentos de referência dos sistemas de responsabilidade social e o marco referencial da ética dos negócios de Lozano. Inicialmente foram abordados os conceitos de ética dos negócios e a fundamentação que dá sustentação ao modelo proposto por Lozano para em seguida abordar os três vértices do marco referencial, composto pela ética da responsabilidade, ética afirmativa de humanidade e ética geradora de moral convencional. Num segundo momento procurou-se dar uma explicação sobre as características de qualquer sistema de sistemas de gestão para em seguida tecer uma explanação sobre cada uma das normas sobre responsabilidade social mais conhecidas: a SA 8000 e a AA1000. A partir daí foi feita uma análise da fundamentação e conteúdo das normas frente a cada um dos vértices do marco referencial proposto por Lozano, tendo sido observado que a AA1000 possui uma abrangência tal que vem mais de encontro aos anseios da ética da responsabilidade.

No entanto, a SA 8000 possui um invejável conjunto de valores universais de fundamentação, como a Declaração Universal de Direitos Humanos o que a torna um poderoso instrumento de materialização da ética afirmativa de humanidade. Quanto à ética geradora de moral convencional, embora ambos documentos contribuam significativamente para a criação de rotinas e procedimentos que mantém o sistema ativo e em melhoria constante, eles não são suficientes para garantir a criação de uma cultura ética na organização em longo prazo. Na verdade a adoção desses documentos é conseqüência da cultura ou de uma decisão utilitarista, freqüentemente como expressão de uma necessidade de legitimidade, e não o contrário. Se a consciência de sua participação em uma sociedade pode ter uma dimensão ética, mas não faz da empresa uma empresa ética, conforme afirma Pena (p. 25), também fica comprovado que a certificação também não tem o poder de garantir à organização certificada a comprovação de comportamento ético e muito menos uma dimensão de empresa cidadã. Se a empresa usa a certificação para fins utilitaristas, como promoção, imagem e redução de problemas, ela move sua percepção da ética de  uma dimensão deontológica para uma dimensão teleológica, pois a preocupação do valor moral das ações cedem espaço para seus efeitos. (imperativo hipotético no lugar do imperativo categórico; ética heterônoma de conteúdo material). Tudo depende da intenção real e como esta nem sempre é manifesta, não se conhece qual o vértice referencial que se está utilizando.

Vale lembrar que a constituição do sistema de responsabilidade social apesar de não garantir que a organização seja ética, evita o niilismo (falta de consenso) e ajuda a evitar o abstracionismo presente nas ciências puras ou ditas normais. É portanto uma importante porta de entrada para qualquer organização que deseja melhorar sua atuação social e garantir no seu contexto maiores chances e benefícios para as partes envolvidas, o meio ambiente e as gerações futuras.


Notas

[1] Stakeholders: traduzido no português como parte interessada, significando os indivíduo ou grupo interessado em ou afetado pelo desempenho social da empresa (Zacharias, 2004).

[2] Oribe, Claudemir. O interesse pela gestão da qualidade será renovado. Revista Banas Qualidade. Ano XV. No 160. Setembro de 2005.

[3] As convenções referenciadas na SA 8000 são:


- Convenções OIT 29 e 105 – Trabalho forçado e Trabalho escravo
- Convenção OIT 87 – Liberdade de associação
- Convenção OIT 98 – Direto de negociação coletiva
- Convenções OIT 100 e 101 – Remuneração equivalente para trabalhadores masculinos e femininos por trabalho equivalente; Discriminação
- Convenção OIT 135 – Convenção dos representantes dos trabalhadores
- Convenção OIT 138 e Recomendação 146 – Idade mínima e Recomendação
- Convenção OIT 155 e Recomendação 164 – Saúde e segurança ocupacional
- Convenção OIT 159 – Reabilitação vocacional e Emprego/Pessoas com deficiência
- Convenção OIT 177 – Trabalho em domicílio
- Convenção OIT 182 – As piores formas de trabalho infantil

[4] O termo não possui similar no português. Devido à isso ele é utilizado normalmente no inglês. Ver por exemplo o Handbook AA1000 (http://www.bsd-net.com/bsd_brasil/handbookaa1000.pdf), página 2.


Referências Bibliográficas

1. ACCONTABILITY 1000 (AA1000) framework: Standards, guidelines and professional qualification. Exposure draft, nov/1999. www.accountability.org.uk, acessado em 20 de novembro de 2005.

2. BOECHAT, Cláudio. Sistemas de Gestão para a Sustentabilidade. Material didático do Programa de Gestão Responsável para a Sustentabilidade. Belo Horizonte: FDC, 2003.

3. Institute of Social and Ethical Accountability, ISEA. AA1000, Framework. Tradução para o português, FDC, BSD. 2002

4. INSTITUTE OF SOCIAL AND ETHICAL ACCOUNTABILITY.  AA1000 Assurance Standard. Disponível em: http://www.accountability.org.uk/aa1000/default.asp. Acesso em 24 mar. 2003.

5. KRAEMER, Maria Elisabeth Pereira. Responsabilidade Social: uma alavanca para a sustentabilidade. Disponível em http://www.gestaoambiental.com.br. Acessado em 16/01/2006.

6. Oficinas de Gestão - Conferência Internacional 2005 - Empresas e Responsabilidade Social;Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, 2005.

7. ORIBE, Claudemir Y. Mimetomania na gestão da qualidade. Revista Banas Qualidade, Ano XV. No 163. Dezembro de 2005.

8. ORIBE, Claudemir Y. O interesse pela gestão da qualidade será renovado. Revista Banas Qualidade. Ano XV. No 160. Setembro de 2005.

9. PENA, Roberto Patrus Mundim. Responsabilidade Social da Empresa e Business Ethics: Uma relação necessária? Encontro Nacional da ANPAD, 2003.

10. PENA, Roberto Patrus Mundim. Ética nos Negócios: condições, desafios e riscos do desenvolvimento de uma Ética Empresarial. Belo Horizonte: PUCMINAS/FDC, 2005.

11. ZACHARIAS, Oceano. SA 8000 Responsabilidade Social NBR 16000: estratégia para empresas socialmente responsáveis. São Paulo: Editora EPSE, 2004.

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Luiz Roscoe - 15/05/2012

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